Os invisíveis
A cena é quase diária em um ponto conhecidíssimo do Rio: a esquina
da rua Bolívar com a Avenida Copacabana, em frente ao Cine Roxy.
Anoitece e o morador de rua para seu carrinho em frente a uma loja já
fechada e cuidadosamente se prepara para dormir. O que chama a atenção,
no entanto, são seus fiéis companheiros, um vira-latas caramelo e dois
gatos, um branco e o outro cinza, todos bem cuidados, limpos e
aparentemente saudáveis. Nunca faltam os potinhos com ração e água e,
principalmente, o cobertor vinho, a caminha dos bichos.
Não
sei se esse senhor é um catador de lixo, um simples mendigo, um
dependente de drogas ou algum idoso abandonado à própria sorte. A
população de rua da capital fluminense é muito variada e já chega a
quase cinco mil pessoas, segundo a própria prefeitura. Na verdade,
trata-se de uma parcela da sociedade que ninguém quer ver e daí vem um
de seus apelidos, “os invisíveis”.
Reflexo da exclusão social,
cada vez mais as ruas são usadas como moradia, sem que o Estado, seja
em que nível for, consiga ou tenha interesse em procurar uma solução
para o problema. Não fosse a atuação de algumas igrejas, organizações
não governamentais e uma meia dúzia de abnegados, a situação seria de
completo descalabro. Os políticos só se interessam por essa camada
social nas vésperas de eleições, quando prometem medidas, em sua maioria
higienizantes ou excludentes, que jamais serão algum tipo de solução.
Sejamos
honestos: temos uma enorme dificuldade em lidar com essa realidade,
ainda mais quando nos damos conta que a maioria dessa gente não está nas
ruas por vontade própria e sim por problemas como desemprego, perda da
autoestima, drogas e doenças mentais. O mínimo que poderíamos fazer é
colocar o assunto em pauta, cobrando uma postura séria das autoridades e
ajudando da melhor maneira que pudermos.
Moradores de rua
existem em qualquer lugar. Em Paris cansei de ver filas de mendigos
esperando o sopão em uma praça perto da Gare Saint Lazare. Com doze mil
desassistidos, segundo estatísticas extraoficiais, também são
“invisíveis” para os turistas que frequentam o circuito Champs Elysée
(onde, é bom frisar, são proibidos de entrar). No entanto, basta uma
caminhada casual pelos arredores para perceber que as coisas nunca são o
que aparentam. Vi mendigos em Madrid, Barcelona e viciados esmolando em
Amsterdam. E olha que são cidades do Primeiro Mundo...
Meus
caros amigos, como pode o Rio de Janeiro, onde estão gastando bilhões de
reais para realização de dois eventos internacionais, não ter nenhuma
política palpável ou realista para essa questão? Será que somos um bando
de incompetentes ou alienados que não consegue dar uma vida decente
para apenas cinco mil moradores de rua? Um Maracanã de um bilhão de
reais vale mais do que esses seres que perambulam sem futuro pelas
nossas ruas e dormem embaixo de nossas marquises?
A beleza
dessa fotografia é o momento de solidariedade de um cidadão esquecido
pela sociedade, cuidando de animais abandonados nas ruas. O gato
aconchegado no cachorro, lembra que espécies diferentes podem conviver
harmoniosamente, ao contrário do que acontece conosco, eternamente
presos aos nossos preconceitos e crenças.
Fico
aqui pensando que tipo de gente é essa que acha essa situação natural. Albert Schwweitzer, Nobel da Paz de 1952, dizia que
“quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja
animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante.”
Compaixão talvez seja o mais nobre sentimento que um ser humano pode
ter. Seja por quem for.
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Crônica publicada no jornal A Voz da Serra, de Nova Friburgo, RJ, edição de 19 de abril de 2013. Sinceramente, dez anos depois alguma coisa mudou?
Carlos Emerson Junior
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