O trem
Eu adoro trens! Costumava ir com meu pai assistir à partida e chegada das composições dos expressos Santa Cruz (linha para São Paulo) e Vera Cruz (linha para Belo Horizonte), lá nas gares da Central do Brasil e da Leopoldina, no Rio. Ficávamos sentados na plataforma e eu sonhava com o dia que viajaria naqueles lindos vagões metálicos.
Na época, a grande paixão da molecada era o trem elétrico da Atma, um brinquedo com trilhos, vagões, locomotivas, sinais e desvios, que você podia ir ampliando até formar a sua ferrovia de verdade! A turma mais velha deve se lembrar de que eram comuns exposições de ferromodelistas, que nos encantavam com maquetes enormes simulando até mesmo cidades.
Pois bem, o tempo passou, o mundo girou e a minha estreia foi no Trem do Pantanal, em um carro da primeira classe com cabine, chuveiro, moço de bordo e tudo o que tinha direito. Corria o ano de 1968 e percorremos o trecho de Campo Grande, ainda no Mato Grosso até Bauru, em São Paulo, em um dia e uma noite.
Pois é... Enquanto sucessivos governos brasileiros, de forma estúpida e irresponsável acabavam com a enorme malha ferroviária, deixando o país refém de péssimas rodovias, eu fazia o caminho inverso e, por uma felicidade do destino, trabalhei em uma empresa portuária, onde os trens são essenciais, mesmo que só operando no cais.
É claro que locomotivas a diesel puxando vagões e mais vagões com produtos a granel ou bobinas de aço não têm o mesmo charme de uma composição do tipo “Expresso do Oriente”, aquele trem luxuosíssimo que sai de Paris e corta a Europa até Istambul, na Turquia, onde o feliz (e abonado) passageiro é recebido na Gare de l’Est com uma taça de Veuve Clicquot (taça de cristal, por óbvio) e tapete vermelho!
Delírios e modéstia à parte fiz algumas viagens memoráveis, sendo duas delas dignas de registro. A primeira foi na Espanha, de Barcelona a Madrid, cortando todo o interior do país, em um trem confortável, com calefação e um ótimo carro-restaurante, além de poucas paradas. A viagem durou umas seis horas e valeu cada centavo que economizamos dispensando o avião.
A segunda foi no trem-bala que liga Amsterdam a Paris. Meus amigos, você está sentado tranquilo, tomando a sua cervejinha belga e olhando a paisagem, as vaquinhas holandesas pastando nas terras tomadas do mar, os carros e caminhões nas estradas ficando para trás, muito para trás, sumindo...
É muito engraçado porque lá dentro você não sente que está a mais de 300 quilômetros por hora, porém é só olhar pela janela para levar um susto! Aliás, depois de certo tempo, você acha que andar àquela velocidade é a coisa mais normal do mundo, ainda mais sabendo que vai chegar bem cedo em seu destino.
Nunca vi o trem de Nova Friburgo. Quando conheci a cidade, na década de 70, sequer existia a locomotiva que ficava na Praça Getúlio Vargas... O transporte ferroviário foi tão importante para o desenvolvimento do município que nem mesmo a retirada completa dos trilhos e a demolição da maioria das estações apagaram seus traços da memória de seus habitantes.
Hoje em dia ninguém mais duvida da importância do transporte ferroviário. Pelo contrário, a maioria dos especialistas lamenta a sua desativação equivocada e aponta como essencial seu retorno integrado com os modais rodoviário e hidroviário para escaparmos desse gargalo que dificulta e encarece nossos produtos.
Seria o trem um transporte lúdico? Em tempos de games eletrônicos hiper-realistas ou em 3D... Acho que não, mas na visão de uma criança em uma antiga estação ferroviária ou em quem teve a oportunidade de ver ou viajar para o Rio na Maria Fumaça, descendo a serra em marcha lenta, no meio da Mata Atlântica intocada, a lembrança sempre vai provocar um sorriso.
Decididamente o trem não é um brinquedo, mas ainda pode nos encantar.
Foto: cartão postal com o trem de Nova Friburgo
Publicado no Caderno Light do jornal A Voz da Serra, edição de 23/3/2012
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