Coisas de Cariocas

© Carlos Emerson Junior

 

Parece mentira, mas o ônibus que encostou no ponto era um daqueles novos, com piso baixo, motor traseiro, rampa para deficientes, suspensão pneumática, ar-condicionado e, pasmem, motorista e cobrador educadíssimos. Não, não é pegadinha de primeiro de abril coisa nenhuma, acabou de acontecer.

No primeiro ponto de Ipanema uma senhora muito elegante faz sinal. O coletivo para, encosta, abre as portas, a senhora entra e com um sorriso enorme agradece e faz uma revelação:

 – Ainda bem que o senhor veio com esse ônibus de piso baixo. Meu vestido é muito justo para subir as escadas de um carro comum. Valeu!

Aí olhei, claro. Aliás, eu e o todos os passageiros. Muito distinta, realmente usava uma roupa justa (com bom gosto e na medida certa) que realçavam seu perfil esguio. E realmente, encarar a escadas dos busões montados em chassis de caminhão seria um desastre.

O motorista sorriu e só arrancou quando a passageira se sentou. Pois é, nem tudo está perdido!

*****

Tinha que ir do local A para o local B. Pensei em pegar uma condução, mas a manhã estava tão agradável, um ventinho de sudoeste dando um refresco no mormaço que resolvi ir a pé mesmo, pela praia. Dito e feito, dobrei a primeira rua à direita e me mandei para o calçadão.

 – Good morning, sir. There would be interested in doing a stand up paddle? The day may be gray but the sea is great. Uau, rimei em english!

Olhei desconfiado para os lados e percebi que era comigo mesmo. Como assim?

 – Oi, cara. Obrigado, mas no mar eu prefiro é nadar mesmo. Ah, não precisa falar em inglês comigo, poxa passo todo dia correndo aqui em frente à sua barraca, meu caro. 

 – Caramba, é mesmo, desculpe, pensei mesmo que fosse turista. Deve ser sua roupa, parece coisa de gringo.

 – Pô, só porque estou de bermudão de tecido, tênis All Star e camiseta de marca? Ô meu, estou trabalhando, acabei de sair de uma reunião e estou indo para outra. Isso aqui é roupa social, cara!

 – Pensando bem, faz sentido. Pior sou eu que estou trabalhando de calção e sandálias havaianas. Bom, quando quiser dar umas remadas, estamos às ordens. Boa reunião.

 – Tá anotado. Bom trabalho pra você também!

*****

Todo o dia é a mesma coisa. Basta parar no sinal fechado ali da Duvivier que o cidadão desprovido de bens não perde tempo e chega choramingando:

 – Ô dotô, tô com fome, me arranja um dinheirinho pra comer.

 – Eu não sou “dotô” e só tenho 4 reais no bolso pra pegar o ônibus. Não dá pra ajudar.

 – Puxa vida dotô, o senhor só anda duro, qualquer hora dessas vou perder o ponto pro senhor.

 – Mas você é abusado, heim? O que posso fazer por você? Dinheiro eu não tenho e nem adianta pedir um cigarro, não fumo.

 – Celular velho. O senhor não teria um pra me arrumar. Aí eu vendo e de repente até consigo uma comida decente.

 – Celular, né? Bom, tem um encostado lá no trabalho. Vou tirar o chip e amanhã trago pra você.

 – Vai tirar o chip? Faz isso não, dotô, deixa o chip e aproveita coloca uma cinquentinha de crédito. Assim eu aproveito para fazer umas ligações pros parentes e resolver umas paradas aí.

 – Celular, chip e recarga. Não está precisando de uma secretária para fazer as ligações?

 – Bom, se o dotô quiser ir pro céu direto, pode mandar a moça. Mas tem que ser novinha e bonita, combinado?


(2016)



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