Voo noturno
"É claro que posso contar o que aconteceu ontem à noite, senhor. Saímos da empresa para o Santos Dumont por volta das oito da noite. Eu, o motorista Joel e, é claro, o Dr. Alfonso e a secretária, Dona Morena. O chefe ia para uma reunião em São Paulo e, curiosamente, resolveu viajar pela ponte aérea. Sim? Não, ele sempre vai de jatinho mas ontem, sei lá, disse que estava com vontade de ver gente e dispensou a aeronave e o piloto. Comprei sua passagem no balcão da empresa aérea para o voo das nove da noite. Enquanto isso o Dr. Alfonso e D. Morena tomavam um café. Juntei-me a eles e avisei o pessoal para mandar um carro em Congonhas. Por volta das oito e trinta o chefe foi para o embarque, esperamos o avião decolar e voltamos para o escritório. D. Morena foi para casa e eu fiquei por lá mesmo, aguardando notícias. Eram umas dez e meia quando o Rubão me ligou, nervoso, querendo saber porque o Dr. Alfonso não tinha viajado. Como assim, bebeu, Rubão? Imediatamente liguei para o celular do chefe mas nada, ligação fora do alcance. O restante o senhor já sabe, policial: o avião pousou normalmente e todos os passageiros saíram, menos o Dr. Alfonso. A polícia paulista revirou a aeronave, interrogou a tripulação, checou as câmeras do aeroporto e nada, o homem sumiu. Aqui, no Rio, também nada anormal foi encontrado e as câmeras do Santos Dumont mostram que ele embarcou naquele voo. Embarcaram 90 pessoas e exatas 90 pessoas desembarcaram, menos o Dr. Alfonso. Até hoje, dois dias depois, nenhum sinal, pedido de resgate, nada. Vimos os vídeos do desembarque diversas vezes, de várias formas e em nenhum deles não havia uma pessoa sequer parecida com o chefe.O que mais intriga é que ele não tinha inimigos, sequer seu cargo era considerado vital na empresa. Não passava de uma pessoa comum, de meia idade, cara de avô, discretíssimo e de pouquíssimas palavras. Fico lembrando que ele chegava a passar desapercebido no local de trabalho. Sei não, de repente, para uma pessoa assim, deve ser fácil desaparecer, não é mesmo? Caramba, nem consigo imaginar como sua família está sofrendo."
Saiu da delegacia exausto e arrasado, mas ainda tinha esperanças. Infelizmente, até então, não percebera que aquela noite no Santos Dumont tinha sido a última vez que vira o Dr Alfonso.
(2016)
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