Eu não sou Robert Mitchum
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Ficamos frente a frente em plena avenida principal. Caminhava distraído, pensando no dia de amanhã, mas não o suficiente para não reparar que ela vinha pela mesma calçada, pequena e linda como sempre. Toda de preto, discretamente elegante e com a mania irritante de deixar o belo rosto escondido atrás do enorme óculos escuros.
Paramos um em frente ao outro e ela ficou me olhando, aguardando meu cumprimento. Tirei o cigarro do canto da boca (um hábito que ela detestava, mas fazer o quê?), ajeitei o chapéu e respondi com meu sorriso torto e semicerrado que, como ela gostava de provocar, me deixava com o rosto engraçado.
Antes que ela falasse alguma coisa, elogiei sua forma e reclamei dos óculos, que retirei carinhosamente de seu rosto com a desculpa de ver os seus olhos. Ela riu, abriu a bolsa e pegou um cigarro. Imediatamente acendi o Zippo prateado, sentindo o toque de sua mão suave segurar as minhas para o vento não apagar a chama do isqueiro.
Falamos algumas bobagens e a convidei para conversar em um café ali perto. Ainda era cedo e encontraríamos um ambiente mais íntimo. Como um casal demos os braços e caminhamos pela avenida principal, agora iluminada e tomada por pessoas procurando suas conduções para casa. Sem dúvida, estávamos felizes.
Ela estava à vontade e, aparentemente, feliz. De repente riu e falou que alguma coisa estava diferente em mim, eu estava lembrando muito o antigo ator Robert Mitchum, com sua cara amarrotada, o cigarro eternamente no canto da boca, pouquíssimas palavras, e um eterno ar de quem não está levando nada a sério. Claro que não respondi nada, era bom que ela pensasse assim.
O garçom indagou se estava tudo bem e, por um instante silenciamos. Com a cabeça baixa, ela colocou suas mãos nas minhas. Olhos nos olhos, toquei em seu pequeno queixo e trouxe seu rosto bem para perto de mim. Rocei bem de leve meu nariz em sua face e naturalmente roçamos nossos lábios, sem pressa ou ansiedade. Durou apenas uma fração de segundos e imediatamente nos beijamos profunda e intensamente, como nos velhos tempos.
*****
Cai em mim quando nos esbarramos fortemente em plena avenida principal. Já nos conhecíamos de vista ou através de amigos, nem sei mais. De vez em quando arriscava um oi, nem sempre correspondido. Ela, coitada, teve que se apoiar em mim para não cair e, para meu desgosto perguntou se eu não prestava atenção nas pessoas, logo eu, que nunca tirava os olhos de cima dela. Sem saber onde me enfiar de tanta vergonha, simplesmente pedi desculpas e, sem olhar para trás, segui meu caminho, completamente derrotado.
Decididamente, eu não sou Robert Mitchum.
(2011)
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