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Mostrando postagens de julho, 2022

O peregrino

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  O calor sufocava. A estrada se estendia à frente, sinuosa, cortando um enorme campo, a perder de vista. No entanto, o mais importante e dolo roso é que não conseguia encontrar nenhuma árvore, uma sombra para se proteger do sol. Estava exausto, sedento, faminto, quase sem rumo, mas persistia no caminho, mochila nas costas, cajado na mão, chapéu de palha na cabeça, um lenço protegendo o pescoço.   Parou por um momento, logo após uma curva, desalentado. A estrada seguia até umas montanhas a fundo, um ce nário belíssimo se você não estivesse andando. As botas apertavam e os pés doíam, doíam muito. Sentiu vontade de deitar no chão e dormir. Ficou de cócoras e sentiu o piso de terra quente como o sol lá em cima. Não adiantava parar ali, tinha que continuar.   Apoiou-se no cajado, ergueu o corpo, bebeu um gole da água que ainda restava e continuou . Perguntou a si mesmo, o que estava fazendo ali, tão longe de casa, distante de tudo e todos. Perguntou a si mesmo se um dia seria mesmo um

Uma enxada

  No meu jardim tem uma enxada. Encontrei por acaso, meio escondida na terra de onde sai uma enorme trepadeira que cresce e cobre as grades que nos separam da casa ao lado. Mas, constrangido confesso, não tenh o a menor ideia do que fazer com ela. Preparar a terra? Fazer uma horta? Que nada, não levo jeito, nasci, cresci e envelheci no meio urbano, longe das lidas do campo. Brinquei em pracinhas de cimento e quintais onde em vez de flores cultivavam automóveis.   Pois é, e agora, onde moro, tem uma enxada num canto que chamo de meu quintal. E nem é um quintal de verdade, mas tem uma pedra enorme, que vem lá do Pão de Açúcar e um monte de plantas pelas paredes. Tem samambaia, jiboia, manjericão, pimenteira, palmeiras, mais trepadeiras e até mesmo uma árvore que já chega na altura do segundo andar. Na semana passada tinha um ninho de passarinhos no alto do cerca.   Acho que vou de ixar a enxada quieta no seu lugar. Talvez eu possa algum dia repetir o poeta Manoel de Barros e afirmar

Eu não sou Robert Mitchum

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  © MGM   Ficamos frente a frente em plena avenida principal. Caminhava distraído, pensando no dia de amanhã, mas não o suficiente para não reparar que ela vinha pela mesma calçada, pequena e linda como sempre. Toda de preto, discretamente elegante e com a mania irritante de deixar o belo rosto escondido atrás do enorme óculos escuros.   Paramos um em frente ao outro e ela ficou me olhando, aguardando meu cumprimento.  Tirei o cigarro do canto da boca (um hábito que ela detestava, mas fazer o quê?), ajeitei o chapéu e respondi com meu sorriso torto e semicerrado que, como ela gostava de provocar, me deixava com o rosto engraçado.   Antes que ela falasse alguma coisa, elogiei sua forma e reclamei dos óculos, qu e retirei carinhosamente de seu rosto com a desculpa de ver os seus olhos.   Ela riu, abriu a bolsa e pegou um cigarro.  Imediatamente acendi o Zippo prateado, sentindo o toque de sua mão suave segurar as minhas para o vento não apagar a chama do isqueiro.   Fala

Férias na serra

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    © Rafael Kung (Flickr) Aconteceu na década de 80. Éramos três casais, todos com filhos pequenos. A inflação comendo solta e, nem me lembro mais porque, sugeri alugarmos uma casa em Nova Friburgo para passar o carnaval. De uma tacada só fugiríamos do calor do Rio, dos bailinhos infantis e as crianças aprenderiam como é que se mora em uma casa de verdade, com muito verde. O imóvel era bonito, grande e mobiliado com funcionalidade e simplicidade. Tinha uma área externa fantástica, toda gramada além de um baita chuveirão, ao lado de uma árvore frondosa. O único senão é que ficava lá no simpático bairro do Debossan, bem longe de tudo e todos. Botar a casa para funcionar foi moleza, bastou ligar o registro da luz, checar a caixa d'água, acionar a bomba, fazer uma faxina e abastecer a dispensa. As crianças adorando, tudo era novo, diferente e aterrorizador, como os insetos voadores ou rastejantes que entravam à noitinha, provocando gritos de pânico de todos. Ô povo de ap

Incêndio no apart-hotel

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Google Imagens     Os três carros do Corpo de Bombeiros, inclusive uma escada magirus, estacionados em frente a um apart-hotel destinado a idosos não era um bom sinal. Uma pequena multidão olhava para cima e para os lados. Na pizzaria que ocupa todo o primeiro andar, os empregados conversavam entre si, do lado de fora. O prédio todo às escuras, assustava….    – Oi amigo, o que está acontecendo?    – Cheguei agora, mas parece ser um incêndio.    – Pois é, mas incêndio sem fumaça é estranho, né?   Uma senhora ao lado, não resistiu:    – Ih, moço, parece que foi na cozinha da pizzaria. Olha só a cara de desânimo dos garçons!    – Será?    – Não, de jeito algum, os bombeiros entraram pela portaria do prédio, ao lado e cortaram a força do prédio. O incêndio deve ser lá em cima.    – Alguém notou que não veio nenhuma ambulância?    – Mas é muita irresponsabilidade mesmo! E como é que vão levar os velhinhos feridos para o hospital?    – Espera aí, minha senhora,