Entrevista de carnaval

© Carlos Emerson Junior      

 Encontrei a professora C. na dispersão do bloco carnavalesco “Perereca Peçonhenta”, bem em frente a Alerj, no Centro do Rio. Foi fácil identificá-la no meio de tanta gente animada: era a única mulher fantasiada de político, ou seja, terno escuro, gravata, camisa social branca, peruca de careca e um par de tornozeleiras eletrônicas!

Antes de mais nada, é bom deixar bem claro que a entrevistada pediu anonimato completo e por esse motivo só posso adiantar que ela possui mestrado em ciências políticas e sociais, é escritora, trabalha em uma universidade federal, publicou vários livros e escreve em jornais do Rio e SP. Apesar de meu receio de abordar assuntos “sérios” em pleno carnaval e logo após o desfile de um bloco de rua, não tive outra opção. A entrevista foi gravada em um bar da Urca.

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Professora, todos os políticos deveriam usar tornozeleiras eletrônicas? Ou isso daria margem para montar outro esquema de superfaturamento para financiar partidos políticos?

Meu filho, você bebeu? Porque eu bebi todas, misturei cerveja com vodca, caipirinha com rum, cachaça com o diabo a quatro e juro que jamais pensaria uma merda tão grande como essa. Isso aqui é só uma fantasia, porra!

Perdão, professora, é que eu achei….

Não, você não tem que achar nada. Estude, pesquise ou leia antes de questionar quem quer que seja. E outra coisa, não me chama mais de professora, esse título nessa pocilga não vale nada! Aliás, só continuo a entrevista se você pedir uma cerva.

Tá bom, já providenciei, mas vem cá, até a senhora concorda que a situação geral do Brasil está muito estranha… Ou não?

Estranho é você que me tirou do bloco pra falar… Falar de quê, mesmo? Ah, sim, já sei, a crise econômica e política que parou nosso país, não é mesmo? Pois bem, vou dizer com toda a sinceridade, tô nem aí! Sério! O que você quer? Um país que a cada quadriênio coloca um bestalhão na presidência, uma gente que não sabe sequer escolher um prefeito, vereador, um síndico que seja, esperar o quê? Somos uma república senhorial, monárquica, onde a nobreza é escolhida pelo povo com todos os poderes. O poder emana do povo, mas quem manda são os políticos.

Pois é, e aí fica a pergunta, qual o futuro do Brasil?

Ah, mas se depender da sua criatividade, o Brasil não tem futuro nenhum, não é, meu filho? E eu sei lá o futuro de alguma coisa? Entrevista uma cartomante, um vidente, um profeta. Isso dá audiência. Você sabe que o sonho do brasileiro é um emprego público, em qualquer lugar, com qualquer salário. Você mesmo tem cara de quem trabalha pra Agência Nacional, ou coisa parecida. Mas já que a cerveja chegou, vou tentar responder: não tem, simples assim. E sabe por quê? Porque somos poucos, a educação é precária, a inclusão social nunca vai acontecer e a população está envelhecendo. Dentro de mais alguns anos teremos mais brasileiros idosos do que jovens disputando o mercado de trabalho e aí, danou, vão encher o país de chineses, indianos e indonésios para tocar a economia. Ou argentinos, bolivianos e venezuelanos, se a turma atual ainda estiver no poder. Que futuro legal, né?

Não acho não, é horrível! Sei não, professora, que tal deixarmos essa entrevista para depois do carnaval?

Tá maluco? E eu lá tenho lá saco para te aturar outra vez? Negativo, trata de publicar isso o mais rápido possível e na íntegra, senão acabo com sua raça lá na Agência Nacional! Aliás, você tem jeito de ser o assistente do estagiário, sabia?

Pô, além do evidente bullying, de onde a senhora tirou que sou funcionário do governo?

Já sei, já sei, é freelancer, blogueiro ou o raio que a parta. Afe, que falta de humor! Enfim, voltando ao nosso futuro, a desgraça é tão completa que nem chamando os velhinhos aposentados de volta vai dar algum resultado, porque a elite, os pensadores, a intelligentsia, foi embora ou então se acomodou, desistiu, cansou, morreu. Eu sou burra, acreditei que ia participar de uma revolução, acreditei no lero-lero desses escrotos corruptos e aqui estou, presa até o último fio de cabelo numa universidade falida, que não tem dinheiro para o papel higiênico. O pior é que aí me lembro que não casei, não namorei e se dei até já esqueci pra quem, mas estudei pra cacete pra isso, gravar uma entrevista na segunda de carnaval. Pede outra cerveja aí, vai.

Claro, professora….

E tem mais, você falou no telefone que não gosta de carnaval. Então, saiba que o Graciliano Ramos, escritor famoso, falecido no meio do século passado, tem uma frase sensacional, presta atenção: se a única coisa que o homem tem certeza é a morte, a única certeza do brasileiro é o carnaval do próximo ano! Cacete, ele desvendou a nossa alma, o nosso pathos. De fato, o carnaval é a redenção do país, a grande válvula de escape, quando vamos para a Sapucaí bater palmas para as escolas feitas por gente que não pode ou ousa frequentar um restaurante chique no Leblon. Uma festa onde brancos e pretos pulam lado a lado em blocos conduzidos por petralhas e coxinhas, ricos e pobres, ladrões e mocinhos, famosos e fudidos. Ouso dizer que o carnaval é o nosso momento Noruega, é, Noruega, aquele país do norte, chato e frio, onde todo mundo é igual, tem os mesmos direitos, índice social altíssimo e nenhuma corrupção. Carnaval nos une, mesmo quando pentelhos vem com discursos de alienação e outras babaquices mais. Quer saber de uma coisa? Acabou a entrevista! Tem um bloco alternativo se concentrando na Gamboa e vai desfilar no Porto Maravilha logo que anoitecer, uma novidade. Vou pra lá agora. Se você quiser pode vir junto, já te aguentei até agora, no bloco a gente se esbalda e pode até ser que você entenda tudo o que coloquei. Aliás, mais uma cerveja e não vou nem lembrar que dei essa entrevista. Vai ou fica?

Fazer o quê, vou né? De repente consigo arrancar mais alguma coisa da eminente mestra!

Mas você é abusado mesmo, putz! Alala-Ô, ÔÔÔ, ÔÔÔ, mas que calô, ÔÔÔ, ÔÔÔ, atravessando o deserto de bangu, o sol estava tão quente que queimou o…. Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? Ah, e ainda tem…. As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar, eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha e bebo até me afogar!!!

Professora! Essas músicas são do meu tempo!

Tá me chamando de velha? Olha o respeito!

(2016)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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