A crônica sumiu

 

Imaginemos a seguinte situação: o despertador toca, toca, mas nada acontece. Sua mulher resolve ver o que está acontecendo e surpresa! Não tem ninguém no quarto. Acreditando que é uma brincadeira fora de hora, vai checar no banheiro, na sala, no quarto das crianças. Nada. Já assustada, vai até o sótão, a garagem, a casinha do cachorro. Volta ao quarto e checa o guarda-roupas. Não, ele não se trocou e junto ao travesseiro seu celular ainda dorme. Não adianta, o marido, que há uns quinze minutos roncava como uma locomotiva a vapor, desapareceu e de pijama.

Mas piora. O despertador toca, você acorda, cambaleia até o banheiro, lava o rosto, escova os dentes e vai para a cozinha perguntando para a patroa se o café já está pronto. Mas, cadê a patroa? E as crianças? Saíram todos e não me avisaram? Pegou o celular e ligou para a mulher: consternado ouviu o aparelho berrando na cozinha. Olhou pela janela e não viu ninguém. Correu para a rua e tocou a campainha do vizinho. Silêncio. Bateu nas portas de outras casas em vão. Foi para o meio da rua e gritou, implorou, ameaçou, chorou. Voltou para casa e ligou a TV, o rádio e o computador: completamente mudos. Sua mulher, as filhas, o cachorro, os vizinhos, todos desapareceram. Estava sozinho no mundo e ainda por cima de pijama.

E não é que piora mesmo? O despertador toca, você acorda e percebe que não vê, não ouve e não fala nada. É impossível determinar se está em casa, na rua, em um hospital ou na cadeia. Será que morreu e não percebeu? Ou enlouqueceu? Tenta lembrar seu nome mas sua cabeça é um completo caos. Sente-se só, desprotegido e tem medo, sem saber o que pode acontecer em seguida. De repente você percebe que não passa de uma estatística, você se transformou em um "desaparecido".

Daí você se pergunta, mas o que aconteceu com a humanidade, os animais, micróbios, bactérias, o vírus do Covid-19? Sumiram e com eles a sua história e a sua tragédia. Desesperador, não é? Não,dor de verdade sentem os pais, mães, conjuges, filhos, amigos e parentes das quase 82 mil pessoas que desaparecem anualmente no Brasil. Esse número é o dobro da quantidade de mortos por violência em 2021.

Pois é…. Ainda bem que isso aqui é ficção e não foi dessa vez que a crônica desistiu e foi embora. O único consolo é que sempre podemos escrever tudo outra vez ou mudar o assunto. Já o Brasil e seus brasileiros.... 

(2021)

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