Vento ventou

 

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“Caminhando contra o vento,
sem lenço e documento.
No sol de quase dezembro,
eu vou.”

Pois é, a canção de Caetano Veloso, que tanto me entusiasmou nos anos 60, não só pelos versos quase jornalísticos como pelo som distorcido do grupo de rock paulista The Beat Boys, colocando guitarras na então chamada MPB, veio imediatamente a minha cabeça quando cheguei na praia para a caminhada diária e matinal da quarta-feira da semana passada.

Ventava muito, mas eu tinha os documentos. Afinal, carioca prevenido sempre tem consigo uma xerox da identidade, um telefone de emergência e uns trocados. Aqui, meus queridos, a gente nunca sabe o que vai encontrar pela frente. Mas caminhava contra o vento, sem lenço e no sol de quase dezembro. E ia.

Para ser sincero, não saí cantarolando a música, muito pelo contrário. A areia que o vento jogava diretamente na cara de quem corria ou caminhava, atrapalhava a visão, a coordenação e a necessária concentração. Pior, o calçadão da Atlântica, ainda úmido do orvalho da madrugada, virou um imenso sabão e todo o cuidado era pouco para não ir de cara no chão.

Só de birra resolvi emendar um trajeto longo, Posto 6 ao Leme, ida e volta. E foi começar que dei de cara com um cidadão, de olhos esbugalhados, gritando para mim:

– Cuidado, cara, abaixa!

Nem discuti, abaixei direto e ao meu lado passou voando desgovernada um guarda-sol aberto, como um missel surrealista, não fosse ele todo vermelho e branco! Atrás corria seu dono, compondo um estranho quadro, mais anárquico ainda quando o guarda-sol voador aterrissou em plena Avenida Atlântica, no meio dos carros.

Uma jovem que trotava na ciclovia, a essa altura completamente vazia, para com os olhos cheios de areia. A estátua do Drummond, sentada de costas para o mar, não teria esse problema mas, em compensação, ninguém se animou ou melhor, conseguiu tirar as tradicionais fotos. O poeta estava irremediavelmente só.

Levantei, agradeci o aviso, endireitei o corpo e continuei em frente, Qualquer hora o vento ia diminuir e, aí sim, valeria cantar o resto da canção:

 

“Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Porque não, por que não…”

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