Postagens

O melhor tinto da casa

Imagem
Foto: Carlos Emerson Junior   Chovia torrencialmente. Sentado no antigo restaurante alemão, de frente para a porta, observava a rua sendo lenta e consistentemente tomada pela água que descia do morro logo atrás. Agora nenhum pedestre se atrevia sequer a caminhar embaixo da marquise. E os automóveis começavam a rarear. Aquela tempestade prometia. Reparou, desolado, que a garrafa do vinho tinto estava quase vazia. Virou para trás procurando o pessoal da casa e notou que estava só. Como sempre, nem sequer notara que as horas passaram e o domingo terminava. Daqui a pouco o alemão traria a conta e os dois fechariam a casa.  Uma sequência de trovões interrompeu seu pensamento e levou a luz embora. O proprietário veio espiar e os dois ficaram olhando a chuva cair e os brilhos dos relâmpagos iluminarem o interior do restaurante, provocando um efeito estranho de coisa muito antiga.  Considerou que pedir a conta, no escuro, seria uma asneira. Sair para caminhar até sua casa, outra maior ainda. L

Um Maestro

Imagem
  Do nada, sentiu-se inspirado. Foi até o porão, revirou algumas caixas e encontrou uma antiga partitura musical para piano e orquestra, de um samba do Wilson das Neves e, melhor ainda, uma estante para partituras, esquecida ali se sabe lá por quem. Talvez alguma amiga de uma de suas filhas. Sacudiu a poeira, levou tudo para a sala e, carinhosamente repousou a partitura na estante, como sempre devia ser. Beleza. Selecionou uma música no Spotify. A Sinfonia nº 1 de Gustav Mahler, a Titã, que adorava. Colocou o fone no ouvido, pegou a batuta, ou melhor,um pincel de paleta de pintura da mulher, olhou fixamente para a orquestra, digo, a coleção de bichos de pelúcia da filha mais nova, apertou o play e, aos primeiros acordes do primeiro movimento, levantou o braço, cerrou os olhos e começou a reger os seus quase 50 músicos. As notas musicais, intrincadas, vinham de longe e provocavam uma sensação de quase arrebatamento. O que uma música bela, suave e envolvente não faz… Estava dentro de uma

Morar na Serra

Imagem
Foto: Carlos Emerson Junior  Foram necessários mais de vinte anos para descobrir que ter uma casa na serra e morar na serra são coisas completamente distintas. Vou explicar: na segunda metade da década de 90, com as filhas na faixa dos 14 e 15 anos, achamos que seria uma boa ideia comprar um apartamento (ou chalé, como se dizia por aqui na época) em um condomínio fechado, num bairro de bom nível, sossegado, seguro e pertinho do centro de Nova Friburgo, com tudo o que tem direito como piscina, sauna, quadras polivalentes, salão de festas, bosque, água de nascente, o que você imaginar (parece anúncio de corretora…). Para melhorar era (e ainda é) cercado de florestas por três lados, um luxo adicional. Pois bem, na reta final a construtora quebrou, a entrega do imóvel atrasou, gastamos além do previsto, mas como devia estar escrito nas estrelas, tudo terminou bem e começamos a subir regularmente quase todos os finais de semana para aproveitar o ar gostoso e limpo da serra fluminense.  Infe

Homem na Cozinha

Imagem
  Google Imagens Lugar de homem não é na cozinha! Não, não estou fazendo gracinha, imaginem. Essa era uma das frases preferidas de minha mãe e, acredito, de quase todas as mulheres do século passado. Apesar de trabalhar em uma repartição federal no centro da cidade, ela acreditava que homem na cozinha significava, no mínimo, um desastre de proporções épicas. Está bom, tínhamos empregada e cozinheira, um luxo na época para uma família de classe média muito média mesmo. O mais curioso é que elas também pensavam da mesma forma: na cozinha homem só podia entrar para beber água e olhe lá! Ah, os velhos anos 50! Por mais que me esforce, não consigo lembrar meu pai preparando alguma coisa na cozinha que não fosse um Martini seco, sua grande paixão culinária ou abrindo uma cervejinha bem gelada, isso quando a geladeira, como todas as da época, conseguiam sobreviver ao calor do verão carioca. E olha que ele morou sozinho durante muitos anos! Mas justiça seja feita, lavava pratos tão bem ou

Tá surdo?!?

Imagem
Google Você está ouvindo pouco? Seu sono é agitado? Anda irritado com as pessoas, o cachorro e a patroa? Não quer saber de sexo? As palavras que você mais usa são “fala mais alto”, “ hein ?” e “não entendi nada, repete”? Está se sentido deprimido, cansado, com dores de cabeça, zumbido nos ouvidos. sem apetite? Nem tudo está perdido, meu amigo, acho que tenho uma boa notícia para você. Seu problema é provocado pela poluição sonora urbana, aqueles barulhos cotidianos irritantes como serra elétrica em obras, aceleradas de motocicletas, automóveis com descarga aberta e som mais potente que baile funk nas comunidades, carga e descarga de caçambas de entulhos a qualquer hora do dia (e da noite), montagem de feiras livres de madrugada, torcidas organizadas, aos berros, assistindo jogos de futebol nos bares com TV (todos, né?), pessoas gritando no celular, som alto na casa do vizinho e, para quem morou na Urca, a aproximação de aviões para aterrissar no porta-aviões, perdão,

Coisas de Cariocas

Imagem
© Carlos Emerson Junior   Parece mentira, mas o ônibus que encostou no ponto era um daqueles novos, com piso baixo, motor traseiro, rampa para deficientes, suspensão pneumática, ar-condicionado e, pasmem, motorista e cobrador educadíssimos. Não, não é pegadinha de primeiro de abril coisa nenhuma, acabou de acontecer. No primeiro ponto de Ipanema uma senhora muito elegante faz sinal. O coletivo para, encosta, abre as portas, a senhora entra e com um sorriso enorme agradece e faz uma revelação:  – Ainda bem que o senhor veio com esse ônibus de piso baixo. Meu vestido é muito justo para subir as escadas de um carro comum. Valeu! Aí olhei, claro. Aliás, eu e o todos os passageiros. Muito distinta, realmente usava uma roupa justa (com bom gosto e na medida certa) que realçavam seu perfil esguio. E realmente, encarar a escadas dos busões montados em chassis de caminhão seria um desastre. O motorista sorriu e só arrancou quando a passageira se sentou. Pois é, nem tudo está perdido! ***** Tinh

O inimigo no banheiro!

Imagem
Pexels Terminou de ler o capítulo do livro, coçou a cabeça, bocejou com gosto e ia se preparar para dormir quando o telefone tocou. Era de sua casa, lá no Rio.  – Oi amor, já está com saudades? A gente se falou não tem nem uma hora….  – Amor, tem uma barata enooorme no banheiro!  – No banheiro? Caramba, mas tem certeza, você viu?  – Não vi não, foi a Mari que achou. Disse que ela é enorme, parece um besourão.  – Vai ver é um besouro mesmo. Basta apagar a luz que ele vai embora.  – Nãooo, ela jura que é uma barata voadora. E o pior é que está dentro do armário. O que eu faço agora?  – Puxa vida, sei lá. Só me ocorre chamar um táxi, descer aí pro Rio, matar a monstra e voltar para Friburgo. A essa hora nem ônibus tem mais.  – Eu sei, mas como é que vamos dormir sabendo que tem uma coisa nojenta no banheiro?  – Olha só, sua filha é exagerada. Outro dia ela me chamou para matar uma bruxa enorme que tinha entrado no quarto e era apenas uma mariposinha ordinária que eu tirei de casa com a mã