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Casa do João de Barro

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  Foto: Carlos Emerson Junior E não é que agora todo mundo só quer morar em condomínios? E estou me referindo a todo mundo, inclusive o simpático João de Barro, engenheiro, projetista e construtor incansável, que procura o melhor lugar para abrigar sua família. Seu grande problema é o mesmo de todos nós, segurança. Uma casa tem que ser forte para aguentar as intempéries, protegida contra predadores (no nosso caso a bandidagem mesmo), espaçosa o suficiente para acolher todo mundo. Vizinhos? Sempre é bom, claro, mas é preciso saber conviver numa coletividade com educação, civilidade e respeito. Não sei se esses conceitos cabem num “Fornarius Rufus” (o nome científico do nosso construtor) mas como nunca vi brigas em cima de postes de luz, acredito que as aves são de paz. Aliás, aquela história que a gente ouve desde criança que o João de Barro faz sua casa com a abertura oposta do vento da chuva nunca foi comprovada. Tai, mesmo assim, ainda acho que eles são grandes engenheiros. PS: a fot

Domingo na praia

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Foto: Carlos Emerson Junior De repente o mar deixou uma bola azul aos meus pés. Esperei o grito de alguma criança reivindicando sua posse. Que nada, ninguém se importou ou sequer notou. A bola rolou um pouco na areia molhada e parou, aguardando que uma outra onda a levasse para outros destinos. Parei a caminhada. Um pouco mais além uma mulher reclamava de outra que estava com um cachorro dentro do mar. O discurso era tão feroz que, apesar de saber que ela tinha toda a razão – é proibido e basta chamar um guarda para tirar o animal – perdi toda a vontade de manifestar solidariedade ou simpatia. Olhei de novo para a bola azul, indiferente e solitária.  Lembrei que ali mesmo aprendi a nadar, ainda menino. As aulas ensinavam o nado de sobrevivência, permitindo que fossemos bem longe, sem cansar. Aprendi a respeitar as águas. O mar é poderoso e com ele não se brinca. O velho instrutor, um oficial aposentado da marinha, há muito se foi. E já faz tempo que não nado no mar. Cheguei bem perto d

A morte não é nada

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Santo Agostinho “A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me dêem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. "Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho… Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.”

Meu pai

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“ Tudo o que acontece é natural – inclusive o sobrenatural.”   ( Mario Quintana )   Sai do bazar e “atropelei” um senhor que vinha cabisbaixo pela calçada, rente às lojas. Ninguém caiu, ninguém se machucou. Perguntei se estava tudo bem, se precisava de alguma ajuda. Ele se recompôs, pediu desculpas pela distração, me olhou profundamente nos olhos, deu um até logo e seguiu seu caminho. Chocado, não consegui sair dali: por algum motivo fiquei com a sensação de que quase tinha derrubado no chão o meu falecido pai. Olhei para o lado esquerdo da rua e lá longe ia ele, devagar, com as mãos no bolso e um cigarro no canto da boca. Meu Deus, um cigarro na boca? Quem ainda fazia isso? Não era possível, Papai faleceu há cinquenta e três anos e hoje ele teria mais de cem anos de idade. E como assim, ele não me reconheceu? Se bem que não tem como, afinal, eu tinha apenas 13 anos. O que ele viu, a pessoa que trombou com ele, foi um senhor meio calvo, com os cabelos e barba brancos, óculos com lent

Filó

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Foto: Carlos Emerson Junior   A cachorra estava só na dela. Deitada no sofá, ignorava solenemente a família reunida na mesa de jantar. Bocejava de vez em quando e com os olhos semicerrados, deixava o sono decorrente da noitinha tomar conta do corpo. No entanto, o cheiro de comida... nossa, que delícia. Levantou ligeiramente a cabeça para avaliar o que acontecia. Caramba, os quatro bípedes da casa estavam realmente devorando um bife! Avaliou a situação e percebeu que não adiantava pedir, iam lhe jogar um pedacinho bem mixuruca ou pior, ração para cachorros! Virou o corpo na direção da mesa, se espreguiçou e lentamente caminhou para junto da humana que considerava sua dona. Percebendo que ela segurava um pedaço de carne em uma das mãos e deixou um naco no prato, correu e rápida como um raio, saltou em seu colo, abocanhou inteirinho o filé e saiu lépida para devorar a delícia. Ah, os prazeres de um bom prato!  Mas Filó, em sua gula, acabou se esquecendo completamente do “não”, um comando

Celacanto provoca maremoto

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Foto: Estado de SP Corria sem novidades o ano de 1977 quando, da noite para o dia, muros e fachadas de prédios acordaram pichados com esse aviso, de uma certa forma sinistro para quem mora à beira-mar. Maremoto, como assim? E o que é um celacanto? Se fosse hoje seria moleza, bastava dar uma googlada, mas na época só consultando a vetusta Enciclopédia Barsa e mesmo assim ainda ficaria a dúvida: celacantos realmente provocam maremotos?  A frase enigmática foi criada pelo hoje jornalista Carlos Alberto Teixeira, o CAT, uma das feras do falecido Caderno de Informática do jornal O Globo, junto com a Cora Rónai e B.Piropo. Ele tinha na época 17 anos e se inspirou em um episódio do seriado japonês “National Kid”, onde um cientista adverte um grupo de garotos para nunca se aventurarem nas profundezas do oceano, já que o celacanto, quando enfurecido, emite grandes ondas de ódio, podendo revolver o mar.  O sucesso da pichação foi tão grande que um hacker (talvez um dos primeiros do Brasil), inva

O melhor tinto da casa

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Foto: Carlos Emerson Junior   Chovia torrencialmente. Sentado no antigo restaurante alemão, de frente para a porta, observava a rua sendo lenta e consistentemente tomada pela água que descia do morro logo atrás. Agora nenhum pedestre se atrevia sequer a caminhar embaixo da marquise. E os automóveis começavam a rarear. Aquela tempestade prometia. Reparou, desolado, que a garrafa do vinho tinto estava quase vazia. Virou para trás procurando o pessoal da casa e notou que estava só. Como sempre, nem sequer notara que as horas passaram e o domingo terminava. Daqui a pouco o alemão traria a conta e os dois fechariam a casa.  Uma sequência de trovões interrompeu seu pensamento e levou a luz embora. O proprietário veio espiar e os dois ficaram olhando a chuva cair e os brilhos dos relâmpagos iluminarem o interior do restaurante, provocando um efeito estranho de coisa muito antiga.  Considerou que pedir a conta, no escuro, seria uma asneira. Sair para caminhar até sua casa, outra maior ainda. L